“Pode uma máquina
pensar?”
de
Alan Turing
Tradução dos seis primeiros parágrafos do texto
"Can a Machine Think" de A.
M. Turing, in J. R. Newman (ed.) The World of Mathematics
- A Small Library of the Literature of Mthematics from A'h-mosé the
Scribe to Albert Einstein Vol. 4, pp. 2075-2092.
Tradução de Rute Queiroz Mesquita, aluna
da Licenciatura em Informática, no âmbito da cadeira de Seminário
Temático, leccionada por Olga
Pombo, no ano lectivo 2002-2003. Revisão de Olga
Pombo
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1. O jogo da
imitação
Proponho que consideremos a questão: "Podem as
máquinas pensar?". Deveríamos começar com as definições do
significado dos termos: "máquina" e "pensar". Estas definições
poderiam ser elaboradas de forma a reflectir, o melhor possível, o
uso normal das palavras. Contudo, esta posição é
perigosa.
Se quiséssemos encontrar o significado das
palavras "máquina" e "pensar" analisando o modo como estas são
normalmente utilizadas, seria difícil escapar à conclusão de que o
significado e a resposta para a questão "Podem as máquinas pensar?"
deveria ser visto como um estudo estatístico, tal como quando se
ausculta a opinião pública. O que é um absurdo. Em vez de procurar
tal definição, irei substituir a questão por outra, intimamente
ligada com a primeira e expressa em palavras relativamente
claras.
A nova forma do problema pode ser descrita nos
termos de um jogo, a que chamaremos "jogo de imitação". Joga-se com
três pessoas: um homem (A), uma mulher (B) e um interrogador (C) que
pode ser de ambos os sexos. O interrogador fica numa sala à parte
dos outros dois. O objectivo do jogo para o interrogador é
determinar qual dos outros dois participantes é o homem e qual é a
mulher. Ele identifica-os pelas etiquetas X e Y e, no final do jogo,
diz se "X é A e Y é B" ou "X é B e Y é A".
O interrogador pode colocar questões a A e B da
seguinte forma:
C: Pode X por favor dizer-me qual o tamanho do seu
cabelo?
Suponhamos agora que X é realmente A. Então A
tem de responder. O objectivo do jogo para A é tentar fazer com que
C faça uma identificação errada. A sua resposta poderia por isso
ser: "O meu cabelo é escadeado, mas os fios mais longos têm
aproximadamente 20cm".
Para que o tom da voz não ajude o interrogador,
as respostas devem ser escritas, ou melhor ainda, tipografadas. A
solução ideal é ter uma teleimpressora que comunique entre as duas
salas. Como alternativa, as perguntas e respostas podem ser
repetidas por um intermediário.
O objectivo do jogo para o terceiro jogador (B)
é ajudar o interrogador. Provavelmente, a melhor estratégia para ela
é dar respostas verdadeiras. Ela pode acrescentar às suas respostas,
coisas do tipo: "Eu sou a mulher, não lhe dê ouvidos!". Mas isso não
lhe trará qualquer proveito, visto que o homem poderá fazer
observações semelhantes.
Perguntamos então: "O que acontecerá quando uma
máquina toma o lugar de A no jogo?". Será que, quando o jogo se
desenrola desta maneira, o interrogador vai decidir incorrectamente
tantas vezes quantas como quando o jogo é jogado entre um homem e
uma mulher?
São estas as perguntas que substituem a nossa
questão original: "Podem as máquinas pensar?".
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2. Crítica do novo
problema
Da mesma forma que perguntamos: "Qual é a
resposta para esta nova forma da questão?", poderíamos perguntar:
"Será que esta é uma questão que vale a pena investigar?".
Investigaremos esta última questão sem mais cerimónias de forma a
pôr fim a uma regressão ao infinito.
O novo problema tem a
vantagem de desenhar uma linha bem definida entre as capacidades
físicas e intelectuais de um homem.
Nenhum engenheiro ou
químico reivindica o facto de ser capaz de produzir um material que
seja indistinguível da pele humana. É possível que um dia isto possa
vir a ser realizado. Contudo, mesmo supondo que esta invenção
estivesse disponível, sentiríamos que tinha pouco sentido tentar
fazer uma "máquina que pensa" mais humana, vestindo-a com um corpo
artificial.
A forma como colocámos o
problema reflecte este facto na condição uma vez que impede o
interrogador de ver ou tocar os outros participantes, ou ainda de
ouvir as suas vozes.
Outras vantagens do
critério proposto podem ser reveladas através de questões e
respostas exemplares. Assim:
Q: Por favor, escreva-me
um soneto sobre o tema “Ponte
levadiça”.
R: Não considere esta pergunta. Nunca
consegui escrever poesia.
Q: Some
34957 a 70764.
R: (Faz uma pausa de cerca de 30 segundos e
então dá a resposta) 105621.
Q: Sabe jogar xadrez?
R: Sim.
Q: Eu tenho K em K1 e mais nenhuma peça. Você
tem apenas K em K6 e R em R1. É a sua vez de jogar. Qual vai ser a
sua jogada?
R: (Depois de uma pausa de 15 segundos) R-R8.
Xeque-mate.
O método de pergunta e resposta parece ser
apropriado para introduzir quase todas as áreas da actividade humana
que queiramos incluir.
Não queremos
penalizar a máquina pela sua incapacidade de brilhar em competições
de beleza, nem penalizar o homem por perder numa corrida contra um
avião. As condições do nosso jogo tornam estas incapacidades
irrelevantes. As "testemunhas" podem gabar-se, tanto quanto
desejarem, sobre o seu encanto, força ou heroísmo, mas o
interrogador não pode exigir demonstrações
práticas.
Talvez o jogo possa ser criticado pelo facto de
as probabilidades de sucesso pesarem demasiado contra a máquina. Se
o homem fosse posto à prova e pretendesse ser a máquina, certamente
faria uma demonstração muito pobre. Denunciar-se-ia imediatamente
pela lentidão e inexatidão nos cálculos matemáticos. Será que as
máquinas não poderão levar a cabo algo que deva ser descrito como
pensar, mas que é muito diferente do que o homem
faz?
Esta objecção é bastante forte. Contudo,
podemos dizer que se uma máquina poder ser construída para jogar, de
forma satisfatória, o “jogo da imitação”, então não necessitamos de
nos preocupar com esta objecção. Pode alegar-se que quando se joga o “jogo da imitação”, a
melhor estratégia para a máquina seja não imitar o comportamento
humano. Pode ser verdade, mas penso ser improvável haver qualquer
efeito deste tipo. Seja como for, não temos intenção de investigar a
teoria do jogo e assumimos que a melhor estratégia é tentar arranjar
respostas que seriam naturalmente dadas por um homem.
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3. As máquinas que interessam
no jogo
A questão que colocámos no
parágrafo 1 não estará completamente definida até que especifiquemos
o que queremos dizer com a palavra “máquina”. É natural que
queiramos permitir que qualquer tipo de técnica de engenharia possa
ser utilizada nas nossas máquinas. Também desejamos dar a
possibilidade de que, um engenheiro ou uma equipa de engenheiros,
possam construir uma máquina que funcione, mas cuja forma de operar
não possa ser satisfatoriamente descrita pelos seus construtores,
visto terem aplicado um método amplamente experimental. Por último,
desejamos excluir das máquinas, homens que nasceram da forma
tradicional. É difícil modelar as definições de forma a satisfazerem
estas três condições. Podia, por exemplo, insistir-se em que a
equipa de engenheiros fosse toda do mesmo sexo. O que não seria
satisfatório, visto que existe a probabilidade de se poder criar um
indivíduo completo, a partir de uma única célula da pele de um ser
humano. Realizar isto, seria um feito da técnica biológica, digno do
mais alto louvor, mas não estamos inclinados a reconhecer isto como
um caso de “construção de uma máquina que pensa”. O que nos leva a
abandonar a exigência de que todo o tipo de técnica deveria ser
permitido. Somos os mais preparados para fazer isto devido ao
presente interesse pelas “máquinas que pensam” ter surgido a partir
de um tipo de máquina particular, habitualmente chamado de
“computador electrónico” ou “computador digital”. Seguindo esta
sugestão, apenas permitiremos que os computadores digitais tomem
parte no nosso jogo.
Esta restrição pode parecer à primeira vista, muito
drástica. Procurarei demonstrar que, na realidade, não é tanto
assim. Mas para fazer isso, é necessário uma pequena consideração
relativa à natureza e propriedades destes computadores.
Pode também dizer-se que esta identificação das máquinas com
os computadores digitais, como no nosso critério de “pensar”, só não
será satisfeito se (contrariamente ao que creio) os computadores
digitais não forem capazes de fazer uma boa exibição no
jogo.
Já existem alguns computadores digitais prontos para
funcionar e pode então fazer-se a pergunta: “Porque não tentamos
experimentá-los já?”. Seria fácil satisfazer as condições do jogo.
Podia usar-se um determinado número de interrogadores e
compilarem-se as estatísticas, para mostrar quantas vezes foi feita
a identificação correcta. A resposta breve seria que não estamos a
perguntar se todos os computadores digitais procederiam bem no jogo,
nem se os computadores actualmente disponíveis também procederiam
bem, mas se há computadores imaginários capazes de o fazer. Estamos
apenas perante uma
resposta breve. Posteriormente, analisaremos esta questão sob
outro ponto de vista.
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4. Computadores
digitais
A ideia por detrás dos computadores digitais pode ser
explicada dizendo que estas máquinas pretendem levar a cabo qualquer
operação que possa ser feita por um computador humano. É suposto que
o computador humano siga um conjunto de regras fixas. Ele não tem
autoridade para desviar de si nenhum detalhe. Podemos supor que
estas regras são fornecidas num livro, o qual é alterado sempre que
surgir uma nova tarefa. Também tem um abastecimento de papel
ilimitado, no qual faz os seus cálculos. Poderá também fazer as
multiplicações e adições num “computador de secretária”, mas isto
não é importante.
Se utilizarmos a explicação acima como uma definição,
correremos o risco de andar à volta na argumentação. Evitamos isto
dando um esboço das formas pelas quais é conseguido o efeito
desejado. Um computador digital pode ser normalmente visto como
sendo constituído por três partes.
I – Armazenamento
II – Unidade de processamento
III – Unidade de Controlo.
O armazenamento é um depósito de informação e
corresponde ao papel que é utilizado por um computador humano, quer
para fazer os seus cálculos, quer para imprimir o seu livro de
regras. À medida que um computador humano faz os seus cálculos na
sua cabeça, uma parte do armazenamento corresponde à sua
memória.
A unidade de processamento é a parte que leva a cabo
as várias operações individuais, envolvidas num cálculo. O que elas
são, vai variar de máquina para máquina. Normalmente, as operações
razoavelmente compridas podem ser feitas, como por exemplo
"multiplicar 3540675445 por 7076345687” mas, nalgumas máquinas,
apenas podem ser feitas operações muito simples, como por exemplo
“registrar 0”.
Mencionamos que o “livro de regras” fornecido ao computador
é substituído na máquina por uma parte do armazenamento. É chamado a
“tabela de instruções”. O dever da unidade de controlo é
verificar se estas instruções são obedecidas e na ordem correcta. A
unidade de controlo é construída de forma a que isto necessariamente
aconteça.
A informação no armazenamento é habitualmente partida em
pacotes de um tamanho
razoavelmente pequeno. Numa máquina, por exemplo, um pacote pode
consistir em dez dígitos decimais. São atribuídos números de uma
forma sistemática, às partes do armazenamento nas quais os vários
pacotes de informação são guardados. Uma instrução típica pode
dizer: “Adicionar um número guardado na posição 6809 ao que está na
4302 e colocar o resultado na última posição de armazenamento”.
Escusado será dizer, que isto não ocorrerá na máquina expresso em
português. É mais provável que seja codificado da seguinte forma:
6809430217. O número 17 indica qual das operações possíveis é para
executar entre os dois números. Neste caso, a operação é a descrita
acima “Adicionar o número...”.
Reparemos que a instrução ocupa 10 dígitos, formando assim um
pacote de informação, o que é muito conveniente. A unidade de
controlo vai buscar as instruções que devem ser executadas, em
sequência, segundo a posição pela qual foram guardadas. Mas
ocasionalmente, pode ser encontrada uma instrução como por exemplo:
“Agora executar a instrução guardada na posição 5606 e continuar a
partir dali” ou ainda “Se a posição 4505 contém 0, executar a
próxima instrução, guardada em 6707, caso contrário, continuar em
frente”. Instruções deste tipo são muito importantes porque tornam
possível repetir uma sequência de operações vezes sem conta, até se
verificar alguma condição. Considerando um exemplo doméstico,
suponhamos que a mãe quer que o Toni vá ao sapateiro todas as
manhãs, no seu caminho para a escola, para saber se os seus sapatos
estão prontos. Ela pode relembrá-lo todas as manhãs.
Alternativamente, ela pode colocar um aviso no corredor de forma a
que, sempre que ele saia de manhã para a escola, leia o aviso a
lembrá-lo de passar no sapateiro e também de destruir o bilhete
quando chegar a casa e trouxer os sapatos.
O leitor deve aceitar como verdade que um computador digital
poder ser construído e de facto têm sido construídos, de acordo com
os princípios que descrevemos e que eles podem realmente imitar de
uma forma muito aproximada as acções de um computador
humano.
O livro de regras que nós descrevemos como sendo usado pelo
nosso computador humano, é claro uma conveniente ficção. Os actuais
computadores humanos lembram-se o que têm para fazer. Se alguém quer
fazer uma máquina imitar o comportamento de um computador humano,
nalgumas operações complexas terá de perguntar-lhe como é feito e
então traduzir a resposta num formato de tabela de instruções.
Construir tabelas de instruções é normalmente descrito como
“programar”. “Programar uma máquina para executar a operação A”,
significa pôr a tabela de instruções apropriada na máquina, de forma
a que esta execute a operação A.
Uma variante interessante da
ideia de computador digital é um “computador digital com um elemento
aleatório”. Estes têm instruções que involvem o lançamento de um
dado ou outro processo equivalente. Uma dessas instruções pode ser
por exemplo “Atirar o dado e pôr o número resultante no
armazenamento 1000”. Por vezes, uma máquina destas é descrita como
tendo livre vontade (embora eu próprio não utilize esta expressão).
Ao observar um máquina, normalmente não é possível determinar se ela
tem um elemento aleatório, pois um efeito semelhante pode ser
produzido por esses dispositivos ao fazerem as escolhas depender dos
dígitos decimais de Õ.
Actualmente, a maior parte dos
computadores digitais tem um armazenamento finito. Não há uma
dificuldade teórica na ideia de um computador com uma capacidade de
armazenamento infinito. Claro que apenas uma parte finita pode estar
a ser usada num dado momento. De igual modo, apenas uma pequena
quantidade pode ter sido construída, mas podemos imaginar mais e
mais sendo adicionado, à medida que é necessário. Estes computadores
têm aspectos teóricos de especial interesse e serão chamados
computadores com capacidade infinita.
A ideia de computador digital já
é antiga. Charles Babbage, professor de matemática em Cambridge de
1828 a 1839, planeou uma máquina destas, chamada de “Máquina
Analítica”, mas nunca foi acabada. Embora Babbage tivesse as ideias
essenciais, a sua máquina não teve, naquela época, uma perspectiva
muito atraente. A velocidade com que seria disponibilizada, era sem
dúvida mais rápida que o computador humano, mas cerca de 100 vezes
mais lenta do que a máquina de Manchester, uma das mais lentas
dentro das modernas máquinas. O armazenamento era meramente
mecânico, usando rodas e cartões. O
facto de que a Máquina Analítica de Babbage era para ser
inteiramente mecânica, ajuda-nos a livrar-nos de uma superstição
Muitas vezes dá-se importância ao facto de os modernos computadores
digitais serem eléctricos, assim como o sistema nervoso é eléctrico.
Visto que a máquina de Babbage não era eléctrica e visto que todos
os computadores digitais são de certo modo equivalentes, notamos que
este uso da electricidade não pode ser de importância teórica. Claro
que o assunto da electricidade normalmente aparece quando o que
preocupa é a velocidade no sinal. Por isso, não é de surpreender que
a encontremos em ambos os contextos. No sistema nervoso o fenómeno
químico é tão importante como o eléctrico. Em alguns computadores, o
sistema de armazenamento é maioritariamente acústico. O facto de se
usar a electricidade é visto como sendo apenas uma semelhança muito
superficial.
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5. A Universalidade dos computadores
digitais
Os computadores digitais que
considerámos na última secção podem ser classificados entre as
“máquinas de estados distintos”. Estas são as máquinas que mudam a
posição de um estado definido para outro através de saltos súbitos
ou cliques. Estes estados são suficientemente diferentes, para que a
possibilidade de confusão entre eles seja ignorada. Rigorosamente
falando, não há máquinas assim. Na realidade, tudo se move de forma
contínua. Mas há vários tipos de máquinas em que pode ser vantajoso
pensá-las como sendo máquinas de estados distintos. Por exemplo,
considerando os interruptores de um sistema de iluminação, é
conveniente pensar que cada interruptor só pode estar na posição
“ligado” ou “desligado”. Poderão existir posições intermédias,
contudo, para a maioria dos propósitos nós podemos esquecê-las. Como
exemplo de uma máquina de estados distintos, podemos considerar uma
roda que gira 120º por segundo, podendo ser parada por uma alavanca
que pode ser manipulada do exterior. Além disso, uma luz acende numa
das posições da roda. Abstractamente, esta máquina pode ser descrita
da seguinte maneira: o estado interno da máquina (o qual é descrito
pela posição da roda) pode ser q1, q2, ou q3. Existe um sinal de
entrada i0 ou i1 (posição da alavanca). A qualquer momento o estado
interno é determinado pelo último estado e pelo sinal de entrada, de
acordo com a seguinte tabela:
|
Último estado |
|
|
q1 |
q2 |
q3 |
|
-------------------------------- |
Entrada |
i0 |
q2 |
q3 |
q1 |
i1 |
q1 |
q2 |
q3 |
O
sinal de saída, a única indicação externamente visível do estado
interno (a luz), é descrita pela tabela:
Estado |
q1 |
q2 |
q3 |
Saída |
o0 |
o0 |
o1 |
Este
exemplo é típico de uma máquina de estados distintos.
Este é um exemplo típico das
máquinas de estados distintos. Elas podem ser descritas por estas
tabelas, desde que tenham apenas um número finito de
estados.
Poderá parecer que dando um
estado inicial da máquina e os sinais de imput, é sempre possível
predizer todos os estados futuros. Isto faz lembrar a visão de
Laplace que a partir do estado completo do universo num determinado
momento,descrito pelas posições e velocidades de todas as
partículas, deverá ser possível predizer todos os estados futuros. A
predição que estamos a considerar é contudo muito mais viável do que
aquela que Laplace considerou. O sistema do “universo como um todo”
é aquele em que pequenos erros nas condições iniciais podem ter mais
tarde um efeito esmagador. O deslocamento de um único electrão por
um bilionésimo de centímetro num determinado momento, pode fazer a
diferença entre um homem ser morto por uma avalanche um ano mais
tarde, ou escapar. Esta é uma propriedade essencial dos sistemas
mecânicos, os quais chamámos “máquinas de estados distintos”, em que
este fenómeno não ocorre. Mesmo quando consideramos as máquinas
físicas actuais em vez das máquinas idealizadas, um conhecimento
razoavelmente preciso do estado num determinado momento fornece um
conhecimento razoavelmente preciso nos passos
posteriores.
Como mencionámos anteriormente,
os computadores digitas enquadram-se na classe das máquinas de
estados distintos. Contudo, o número de estado dos quais uma máquina
tem capacidade, é normalmente muito extenso. Por exemplo, o número
para a máquina que agora trabalha em Manchester é de cerca de
2^165,00, isto é, cerca de 10^50000. Compare isto com o nosso
exemplo da roda acima descrito, o qual tinha três estados. Não é
difícil perceber porque o número de estados deve ser tão imenso. O
computador inclui um armazenamento correspondente ao papel utilizado
pelo computador humano. Deve ser possível escrever no armazenamento
qualquer uma das combinações de símbolos podem ter sido escritas no
papel. Para simplificar, suponhamos que apenas dígitos de 0 a 9 são
usados como símbolos. As variações na caligrafia são ignoradas.
Suponhamos que é fornecido ao computador 100 folhas de papel, cada
uma contendo 50 linhas, onde cada linha tem espaço para 30 dígitos.
Então, o número de estados é 10^100x50x30, ou seja, 10^150,000. Isto
é mais ou menos o número de estados de três máquinas de Manchester
juntas. O logaritmo de base dois do número de estados, é
habitualmente chamado de “capacidade de armazenamento” da máquina.
Assim, a máquina de Manchester tem uma capacidade de armazenamento
de cerca de 165,000 e a máquina da roda do nosso exemplo anterior
tem 1,6. Se duas máquinas são colocadas juntas, as suas capacidades
devem ser adicionadas para obter a capacidade da máquina resultante.
Isto conduz-nos à possibilidade de afirmações como: ”A máquina de
Manchester contem 64 pistas magnéticas, cada uma com a capacidade de
2560, 8 tubos electrónicos com a capacidade de 1280. Os diversos
armazenamentos atingem cerca de 300, fazendo um total de
174,380.
Dada a tabela correspondente a
uma máquina de estados distintos, é possível predizer o que ela
fará. Não há razão para que esta estimativa não seja levada a cabo
por meio de um computador digital. Contando que pode ser levado a
cabo suficientemente rápido, o computador digital pode imitar o
comportamento de qualquer máquina de estados distintos. O jogo da
imitação pode então ser jogado com a máquina em questão (como B) e o
computador digital imitador (como A) e o interrogador seria incapaz
de distingui-los. Claro que o computador digital deve ter uma
capacidade de armazenamento adequada, assim como trabalhar
suficientemente rápido. Além disso, deve ser programado de novo
para cada nova máquina que deseje imitar.
Esta propriedade especial dos
computadores digitais, que é o facto de eles imitarem qualquer
máquina de estados distintos, é descrita pela afirmação de que são
máquinas universais. Sem considerarmos o factor velocidade, podemos
dizer que a existência de máquinas com esta propriedade tem uma
importante consequência, que é o facto de ser desnecessário desenhar
varias novas máquinas para fazer vários processos de computação.
Pode ser tudo feito com apenas um computador digital, programado
apropriadamente para cada caso. Veremos que uma consequência
disto é que todos os computadores digitais são de certa maneira
equivalentes. Poderemos
considerar novamente o ponto em relevo no fim do capítulo 3. Foi
sugerido, a título de experiência, que a questão “Podem as máquinas
pensar?” deveria ser substituída por “Existirá algum computador
digital imaginário, o qual terá um bom desempenho no jogo da
imitação”?. Se desejarmos, poderemos generalizar e perguntar:
“Existira alguma máquina de estados distintos a qual terá um bom
desempenho?. Mas, na perspectiva da propriedade da universalidade,
nós vemos que cada uma destas questões é equivalente à seguinte:
“Vamos fixar a nossa atenção num computador digital específico C. É
verdade que alterando este computador para ter um armazenamento
adequado, aumentando convenientemente a sua velocidade de acção e
fornecendo-lhe a programa apropriado, C pode ser criado para jogar
satisfatoriamente o papel de A no jogo da imitação e o papel de B
desempenhado por um humano?
[Topo] |
6. Visões
Contrárias à questão fundamental
“Pensar é uma função da alma
imortal do Homem. Deus deu uma alma imortal [1]para
cada homem e mulher, mas não a nenhum outro animal ou máquina.
Portanto, nenhum animal ou máquina pode pensar.”
Turing não aceita nenhum ponto
desta argumentação, contudo, tenta dar uma resposta a esta
visão.
Ele acredita que este argumento
seria mais convincente se os animais fossem classificados junto com
os homens, pois a seu ver, existe uma diferença muito maior entre o
inanimado e o animado do que entre o homem e os outros
animais.
Turing considera que por essa
dificuldade de as pessoas aceitarem que Deus pode conferir uma alma
aos animais, ainda lhes é mais difícil “engolir” que Deus pode
conferir uma alma às máquinas
Para Turing que os argumentos
teológicos não lhe dizem muito, visto que no passado Galileu e
Copérnico foram acusados pela igreja, ao serem utilizados os textos
bíblicos de Josué 10:13 e Salmos 5. que dizem respectivamente: “E o
sol deteve-se e a lua parou...” e “Ele lançou os fundamentos da
terra para que náo se abale em tempo algum”[2]
[Topo]
Segundo esta objecção, as
consequências de uma máquina pensar, seriam pavorosas. Por isso, os
defensores desta objecção dizem que esperam e acreditam que tal
nunca venha a acontecer.
Turing argumenta e de alguma
forma ironiza, dizendo que desejamos acreditar que o Homem é de
alguma forma, mesmo que subtil, seja superior ao resto da criação.
Turing considera que este argumento está de alguma forma ligado ao
argumento anterior e não desenvolve muito a sua
argumentação.
[Topo]
Segundo a objecção matemática,
existem vários resultados da lógica matemática que podem ser usados
para demonstrar que há limitações no potencial das máquinas de
estados distintos.
O mais conhecido é o teorema de
Godel, que demonstra que em qualquer sistema lógico suficientemente
poderoso podem ser formuladas proposições que não podem ser
demonstradas nem refutadas dentro do sistema, a menos que o próprio
sistema seja contraditório. Contudo, existem outros, como por
exemplo de Church, Kleene, Rosser e do próprio Turing, sendo este
último mais apropriado para considerar, visto que se refere
directamente às máquinas. Ou seja, o próprio Turing demonstrou que
há limitações no potencial das máquinas de estados discretos,
através por exemplo do problema da paragem (parada).
Se uma máquina for investida para
dar respostas às perguntas do jogo da imitação, haverá perguntas à
qual dará uma resposta errada, ou simplesmente não responde, apesar
de ter tempo suficiente.
Turing argumenta que não há
provas que o intelecto humano não sofra das mesmas limitações de uma
máquina. Se uma máquina não responder ou der uma resposta errada,
pode um ser humano sentir-se superior?
No fundo, nós também somos
falíveis, por isso não nos devíamos sentir assim tão satisfeitos com
as evidências de falha por parte das máquinas. Poderá haver homens
mais “espertos” que algumas máquinas, assim como haverá máquinas
mais “espertas” que alguns homens. Assim, a nossa superioridade em
relação às máquinas só devia ser sentida ocasionalmente, quando
conseguimos um pequeno triunfo em relação a alguma.
[Topo]
Turing cita o professor Jefferson
que argumenta que uma máquina não é equivalente a um cérebro, a
menos que seja capaz de escrever um soneto por causa das emoções e
sentimentos sentidos e ter consciência que o escreveu. Por outras
palavras, se uma máquina não é consciente, então não pode
pensar.
Turing declara que esta visão
provavelmente nega a validade do jogo da imitação. A única forma que
então teríamos para descobrir se uma máquina pensa é ser a própria
máquina e sentirmo-nos a pensar, ou seja, de acordo com esta visão,
a única maneira de sabermos se um determinado homem pensar, é ser
esse homem, o que Turing considera um ponto de vista SOLIPSIST.
De forma a persuadir que o jogo
da imitação é um bom teste, Turing dá o exemplo de um jogo,
conhecido como “viva voz”, que é usado para descobrir se alguém
realmente compreendeu algo, ou se aprendeu de uma forma estilo
“papagaio”. Neste exemplo, a máquina responde a perguntas que
envolvem as escolha de uma metáfora num soneto, de maneira digna de
um crítico de poesia.
Turing conclui também dizendo que
é sensível ao problema da consciência, não querendo dar a impressão
que pensa que não há mistérios em relação a este assunto. Mas
acredita que há um certo paradoxo na tentativa de a localizar e que
isso não é relevante para a nossa questão.
[Topo]
Este argumento defende que uma
máquina pode fazer tudo, menos X.
X poderá ser: Ser amável, bonito,
amigável, ter iniciativa, ter senso de humor, fazer erros,
apaixonar-se, apreciar morangos com creme, ser o assunto do seu
próprio pensamento, etc.
O primeiro argumento de Turing
relativo a esta visão é que esta argumentação não tem fundamento,
pois a ideia das pessoas relativamente a o que uma máquina pode
fazer, é generalizada através de uma indução científica daquilo que
elas já viram.
Contudo, Turing pega nalgumas das
incapacidades atribuídas às máquinas e refuta.
Relativamente à incapacidade de
cometer erros, Turing utiliza como exemplo jogo da imitação.
Poder-se-á pensar que o interrogador fará um série de problemas
aritméticos e a máquina será desmascarada por causa da sua precisão.
Contudo, uma máquina (programada para jogar) não tentará dar
sempre as respostas
correctas às perguntas aritméticas. Ela deliberadamente introduzirá
erros para confundir o interrogador. Turing argumenta que esta
crítica está fundamentada numa confusão entre dois tipos de erros:
“Erros de funcionamento” e “Erros de conclusão”. É verdade que as
máquinas (por definição as máquinas abstractas que estamos aqui a
discutir) não podem cometer estes “Erros de
Funcionamento”.
Contudo, as máquinas podem ser
programadas para fazerem erros ocasionais para imitar o
comportamento humano, como por exemplo para imitar uma pessoa a
escrever no computador. Quando estes erros ocorrem podemos dizer que
foi cometido um “Erro de Conclusão”. Por outro lado, se as máquinas
chegarem a conclusões por indução científica, isso poderá levá-las a
“Erros de Conclusão”, visto que a indução não é
infalível.
Relativamente à incapacidade de
uma máquina ser o assunto do seu próprio pensamento, Turing
argumenta que num certo sentido, as máquinas podem ser assunto do
seu próprio interesse. Pode ser usado para ajudar a completar os
seus próprios programas ou a predizer os efeitos das alterações na
sua própria estrutura. Pela observação dos resultados do seu próprio
comportamento ela pode modificar os seus programas para conseguir
algum propósito mais efectivamente.
Turing conclui dizendo que a
crítica analisada neste ponto é muitas vezes formas disfarçadas dos
argumentos do ponto de vista anterior sobre as
consciência.
[Topo]
Lady Lovelace, num discurso sobre
a máquina Analítica de Charles Babbage, cujo desenho incorpora todas
as características que o fazem equivalente a um computador digital
universal, faz a seguinte afirmação. “O engenho analítico não tem
pretensões de originar nada. Ele pode fazer tudo o que nós sabemos
mandá-lo fazer” ou seja, aquilo que nós saibamos
programar.
Turing argumenta uma variante da
objecção de Lovelace que diz que uma máquina “nunca pode fazer nada
realmente novo”.
Turing questiona sobre quem pode
ter a certeza que o trabalho que faz é “original” e não foi criado a
partir do crescimento de uma semente plantada nele pelos ensinos que
obteve, ou sendo o efeito de princípios já bem
conhecidos? Uma
melhor variante desta objecção é que uma máquina “nunca nos pode
surpreender”. Turing argumenta que as máquinas o surpreendem com
muita frequência, porque produzem resultados correctos que estão
longe do que ele esperava através das suas estimativas. Ele refere
que a surpresa é algo que tem mais a ver com um acto criativo da
parte da mente que a detecta, do que algo que é originado na máquina
(no homem, etc).
[Topo]
Este argumento refere-se ao facto
de que o sistema nervoso não é uma máquina de estados distinto e
visto que um pequeno erro ao medir o impulso de entrada de um
neurónio pode fazer uma grande diferença para o tamanho do impulso
de saída de um neurónio, não poderemos imitar o sistema nervoso como
um sistema de estados distintos.
Turing concorda com o facto de
haver uma diferença entre uma máquina de estados distintos e uma
máquina contínua. Mas ele argumenta que o interrogador no jogo da
imitação não pode explorar esta diferença para tirar
vantagem.
Turing dá o exemplo de um
analisador diferencial ( que é uma máquina usada para alguns tipos
de cálculos, a qual não é do tipo da máquina de estados distintos.)
e diz que embora seja impossível predizer exactamente que resposta o
analisador diferencial dará a um problema, como por exemplo estimar
o valor de ∏, o computador digital pode dar uma resposta
probabilística que será muito difícil para o interrogador distinguir
da resposta do analisador diferencial.
[Topo]
O argumento é que o comportamento
humano não pode ser representado por um conjunto de regras de
conduta que determina cada acção humana. Por isso, os seres humanos não podem
ser máquinas.
O argumento é que dado um
conjunto fixo de regras, podemos sempre imaginar uma situação para a
qual nenhuma regra é aplicável. Ele dá o seguinte exemplo: Podemos
ter um regra que diga que devemos parar quando virmos um sinal
vermelho e para avançar se virmos um sinal verde. Mas se ambos
aparecerem em simultâneo? Como decidir? Talvez decidissemos que o
mais seguro é parar. Mas esta decisão poderia vir a trazer
problemas. Não é por isso possível criar regras de conduta para
abranger todas as eventualidades.
Através desta impossibilidade de
descrever o comportamento humano num conjunto de regras de conduta,
os proponentes desta argumentação concluem que os homens não podem
ser máquinas.
Turing concorda que é impossível
inventar um conjunto de regras que irão governar o comportamento de
uma pessoa em todas as situações concebíveis. Contudo considera que existe uma confusão
entre regras de conduta e leis de comportamento. Por “regras de
conduta” ele quer dizer normas do tipo: “Parar quando vir uma luz
vermelha”, sobre as quais podemos agir e das quais temos
consciência. Por “leis de comportamento” Turing refere-se às leis da
natureza aplicadas ao corpo humano, como por exemplo: “Se beliscares
alguém, ele vai gritar”.
Turing considera que é mais
difícil nos convencermos de que não somos governados por leis de
comportamento, do que por regras de conduta.
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Turing
considera que há evidências estatísticas para a percepção
Extra-Sensorial. Ele também considera que se há comunicação
telepática entre o interrogador e o computador, o interrogador pode
fazer uma identificação correcta, visto que a máquina não tem
poderes telepáticos.
A
resposta de Turing é para colocar os participantes numa sala “à
prova de telepatia”, de forma que isso não interfira no
jogo.
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Notas:
[1] É curioso notar que o pensamento de alma imortal não teve a
sua origem no pensamento bíblico. Na bíblia, nas cerca de 1600 vezes
que ocorrem os termos geralmente traduzidos por “alma” ou
“espírito”, nunca vem associados às palavras de “imortal” ou
“imortalidade” ou algo nesse sentido. Pelo contrário, a bíblia
mostra-nos que em virtude do pecado o homem morre e fica como a
dormir um sono inconsciente, até ao dia da segunda vinda de Jesus,
em que será
ressuscitado. A ideia de imortalidade da alma por hora da morte tem
início no pensamento Grego, em particular em Platão, que se baseou
nas religiões pagãs da antiguidade e não nas escrituras.
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[2] Em virtude de Galileu e Copérnico serem acusados pela
igreja, creio que a ignorância partia do líderes religiosos e não da
Bíblia. A bíblia não é um tratado ciêntifico e como tal, como nós
hoje também utilizamos a expressão “pôr-de-sol” e sabemos que “o sol
não se põe”, os autores da bíblia também utilizam expressões
semelhantes. Mas é curioso notar que a Bíblia foi escrita numa
altura em que se pregava que este mundo era fixo e, provavelmente,
levantado por alguma tartaruga sagrada, ou um elefante e
acreditava-se que era sustido e parado. Mas a bíblia há três mil
anos atrás, declarou em Job 26:7 “Ele estende o norte sobre o vazio
e suspende a Terra sobre o nada”, em outras palavras, sobre o
espaço. Em Isaías, escrito cerca de 800 a.C. diz “Ele (Deus) está
acentado sobre o círculo da terra” (Isaías 40:22), antes
mesmo de Copérnico ter nascido.
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